quarta-feira, 9 de março de 2011

Mercados em Colisão

O livro de Mohamed El-Erian (título do post), tem alguns insights interessantes. Apesar de eventuais discordâncias quanto a teoria econômica (e qual economista não discorda de outro?), o fulano escreve muito bem, misturando boas citações com excelentes metáforas e pelo que já li, foi o primeiro a colocar esta evidência, do choque entre a velha economia, dominada pelos EUA, e pela nova, com a ascensão dos mercados emergentes.

Como ele publicou o livro em janeiro de 2008, sabemos então, que muita água ainda iria ( e vai) rolar.

Um economista, além de uma formação rigorosa na matéria em si, deve também ter domínio da matemática financeira e sobretudo ser street smart, ou seja, terá sabedoria das ruas, pois é a conjugação desses três fatores que irá determinar a perspicácia para distinguir um ruído de um sinal e Mohamed, pelo seu vasto currículo, indo do FMI à administração de carteiras de trilhões de verdinhas (além do fato, de ser um "terceiromundista" no meio dos "homi") ,parece ter predicados de sobra, para escrever o que escreve.

Sobre Keynes

“Keynes lembrava que a economia é um método e não uma doutrina...”

“Como disse Keynes: A dificuldade está não em ter novas idéias, mas em escapar das antigas...”

“A maior parte das economias emergentes está em posição de se tornar keynesiana (...) a natureza sólida dos balanços de pagamentos – historicamente incomum – dá a eles a capacidade de estimular o consumo e investimento internos...”

Comportamento de manada

“...lembra a maneira como as crianças de cinco sete anos jogam futebol: elas tendem a perseguir a bola como se fossem uma manada barulhenta. São, com efeito, totalmente dependentes de dados. Sua abordagem contrasta de modo agudo com o comportamento de crianças mais velhas. Ancorados em melhor compreensão do jogo e com disposição mental mais estratégica, jogadores mais velhos procuram manter posições no campo e confiam mais em deixar que a bola faça também sua parte.”

O déficit americano

“O tamanho do déficit dos Estados Unidos constituiu um sinal claro de desequilíbrio. A disposição de países em desenvolvimento de bancar esse déficit de forma barata tornou-o estável (...) A situação levou u grupo de economias emergentes a se tornar credor dos Estados Unidos...”

A loucura das taxas de juros

“...alcançou tal grau que a curva de resultados se inverteu – as taxas de juros de longo prazo caíram abaixo das de vencimento em curto prazo...”

“A razão era simples. Ao se depararem com inesperada melhora (...) os Bancos Centrais de países em desenvolvimento (...) compraram os instrumentos financeiros de menor risco e maior liquidez possível, ou seja, letras do Tesouro norte-americano...”

“o velho adágio de que existem épocas em que você tem de se preocupar mais com o retorno do seu capital do que com o retorno sobre o seu capital...”

O fim do FMI

“Como as reservas mundiais de moeda estrangeira serão em breve 20 vezes maiores que os recursos do Fundo, os dias em que ele era capaz de ditar regras a países importantes já ficaram para trás...”

De onde vem (parte) (d)o nosso dinheiro?

“...carry trades (que significa pegar emprestado a juros baixos e investir a juros mais altos, ganhando assim um positive carry). Esses negócios predominam em particular no câmbio externo, onde os investidores pegam emprestado as moedas de países com taxas baixas de juros (o Japão por exemplo) e investem em moedas de países com altas taxas de juros...”

Reprimir ou não o consumo?

“Quando a música parar, em termos de liquidez, as coisas vão se complicar. Mas enquanto a música estiver tocando você tem de levantar e dançar...”

Cobiça

“Lembre-se do discurso de Gordon Gekko, personagem (...) no filme Wall Street, de 1987, aos acionistas das Teldar Paper: A questão (...) é que a cobiça – por falta de um termo melhor – é boa. A cobiça está certa (...) A cobiça em todas as suas formas – cobiça pela vida, por dinheiro, por amor, conhecimento – tem marcado o movimento ascendente da humanidade.”

Cisne Negro

“Essa cegueira para ver cisnes negros, resulta de uma tendência universal que prefere descartar a possibilidade de grandes desdobramentos mesmo que eles possam via a ter grandes conseqüências...”

“A tendência humana é procurar refúgio em explicações ex post...”

“O ambiente da economia financeira lembra a medicina medieval (...) que costumava matar mais pacientes do que salvar...”

A década perdida

“O crescimento da região despencou e o comércio encolheu. O nível de pobreza aumentou á medida que vários governos foram forçados a cortar despesas num clima de pânico, que teve impacto desfavorável nos setores sociais...”

Economias emergentes

“Economias emergentes já são contribuição mais importante para o crescimento global (...) ao fornecerem mão-de-obra de baixo custo para a rede global de produção (...) e a maneira pela qual alocam seus ganhos em reservas internacionais impactou as taxas de juros...”

“(...) a caracterização de muitas economias emergentes vai transformá-las de máquinas exportadoras em consumidoras (...) em estímulo dos componentes internos da demanda agregada, além de incentivo ao abandono de taxas de câmbio subestimadas...”

China

“Na primeira década de 2007 o aumento nos gastos do consumidor (em dólar) na China e na Índia, juntas, contribuiu mais para o crescimento do PIB global do que o aumento registrado nos EUA...”

“...quando combinado com Índia e China, o grupo de economias emergentes responde por mais da metade do resultado global...”

O fim da supremacia dos EUA

“Por vários anos, a economia global se parecia com um avião voando com um só motor (...) agora o motor está engasgando. Mas o avião será capaz de manter altitude porque um bom número de motores menores estão entrando em ação...”

Desenvolvimento (in)sustentável ?

“Conforme as economias emergentes mantiverem suas altas taxas de crescimento, se tornarão consumidores maiores de recursos naturais (...) o impacto dessa demanda não será compensado (...) as economias emergentes são usuárias menos eficientes de recursos naturais...”

“(...) grandes aumentos de preços estão coincidindo com grandes colheitas de cereais – situação incomum. A crescente riqueza dos emergentes, está cevando a um maior consumo de carne, com os fornecedores reagindo aumento a produção, o que pressiona o consumo de grãos para alimentar os animais...”

Sistema bancário, para o bem

“O sistema bancário é o centro nervoso do sistema econômico e financeiro. Eu o comparo ao óleo do automóvel. A gente não pensa muito nele. Mas qualquer falha nesse aspecto vai fazer o carro parar (...) e será um risco para seus ocupantes e para os demais veículos se ele parar no meio da estrada...”

Sistema bancário, para o mal

“Foram necessários tomadores de empréstimos tolos, investidores tolos e intermediários espertos, que convenceram os primeiros a pegar emprestado o que não tinham condições de pagar e os últimos, a investir no que não compreendiam.”

Agora, junte a pedras, monte o quebra-cabeça e veja, se são ruídos ou se são sinais...

4 comentários:

Jens disse...

Oi Renato
Confesso que pouco entendo de economia, como provam de maneira eloquente os números das minhas contas domésticas. Para fortalecer a ignorância, tenho certa resistência, digamos assim, em ler algo relacionado ao tema. Geralmente tinha urticária quando obrigado, por razões profissionais, a compulsar tratados econômicos (o que fazia só depois de devidamente amarrado na cadeira diante da mesa de leitura).
Assim sendo, preparei-me para escalar uma pedreira quando vi o teu post. No entanto, grata supresa, deparei-me com economistas que sabem expor suas idéias de maneira cristalina, em lingua de gente - tanto você, na apresentação, como Mohamed El-Eria. Li com prazer e, melhor, entendi tudo. A comparação do efeito de manada com um jogo de futebol de várzea é esclacedora. Perfeita.
Portanto, valeu, Renato.

Um abraço.

Renato Couto disse...

Companheiro Jens, a idéia do blog sempre foi esta, confesso, nem sempre alcançada: "traduzir" o economês na forma mais viável. Aprendi com excelentes mestre, ao usarem metáforas do nosso dia-a-dia. Enfim, é vital ter a tal street smart. Abraços!

Jens disse...

PS: Usei um excerto do teu post num comentário que fiz no blog da Luma. Ela por sua vez, colocou o assunto em evidência na sua última postagem:

http://luzdeluma.blogspot.com/2011/03/o-futuro-proximo-e-marrom.html

Em ambos os casos, as fontes foram citadas.

Um abraço.

Loba disse...

eu poderia copiar e colar o comentario do Jens (e ficaria linda na fita), mas vou limitar-me a completá-lo te parabenizando pelas excelentes escolhas das citações. Não posso dizer que foi esta a primeira vez que entendi o tal "economês" - isso já aconteceu algumas vezes passadas, aqui mesmo no seu blog. portanto, meus mais efusivos agradecimentos por contribuir para a minha cultura geral!
agora, descendo ao meu nivel:
que tal trocar os misterios das notinhas verdes por uma bela cinta liga e ver o mundo de pernas pro ar? só pra variar um pouquinho! rs...
beijo de loba (ou mordidas, se preferir)