quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Marx, a voz da liberdadade (continuação de "Notas sobre Karl Marx")


Notas sobre Karl Marx
II - (Primeiro manuscrito – Salário do trabalho) continuação de post anterior

Marx apud Smith, tenta amarrar a sociedade em três tipos de situação e o trabalhador dentro destas conjeturas:

1) Quando diminui a riqueza da sociedade (toca-se na questão da crise), pois “ao diminuir a riqueza da sociedade, o trabalhador é mais sacrificado”, novamente citando Smith: “ninguém sofre tão cruelmente com o seu declínio como a classe trabalhadora”. Sabemos que a corda irá sempre arrebentar do lado mais fraco, pois proprietários/capitalistas sempre terão alguma poupança para estas horas. Me pergunto, quem levou Smith a ser apóstolo do liberalismo? Pois até agora, Marx não discorda deste, apenas dá um verniz social em sua abordagem econômica, como na passagem [o trabalhador] se vê diminuído espiritual e fisicamente à condição de uma máquina e se transforma de ser humano em simples atividade abstrata”.

2) Quando a sociedade em que a riqueza aumenta, com a pergunta chave: “quando determinada sociedade se encontra numa condição de aumento de riqueza?” A resposta encontrada por Marx, totalmente referendada por uma política liberal, é de que é necessário acumular, seja capital, seja trabalho, “porque o capital é trabalho acumulado”, ou seja, aqui Marx apóia a idéia ortodoxa da economia, da necessidade fundamental de que para haver crescimento (nesta ótica) é necessário haver poupança.
Malthus e posteriormente Keynes, derrubam esta idéia, com o paradoxo da parcimônia, ou seja, se há um excesso de poupança, não há consumo e se não há consumo, por que produzir?

Kalecki chegará à mesma conclusão, porém abordando de outra forma o problema, numa análise que podemos encontrar no décimo capítulo de “Crescimento e Ciclo das Economias Capitalistas”`, ele inverte, não é a poupança que determina a acumulação e conseqüente investimento, mas é o investimento, apoiado no consumo dos capitalistas (os únicos que irão consumir bens que não sejam de primeira necessidade) que irá gerar o lucro e posteriormente poupança, mantendo-se o ciclo.
Assim enquanto para os clássicos (e Marx entre eles) a poupança é ex-ante, gerando investimento, para Kalecki (e também Keynes), o investimento apoiado em financiamento é que será ex-ante, gerando poupança de igual valor.

Na visão clássica, encampada por Marx, a situação de empréstimo de dinheiro a juros não se observa com muita freqüência, porém, hoje nos deparamos com uma realidade bastante diferente, pois devido ao crédito, os capitalistas antes mesmo de lucrarem gastam em investimento. Aí temos um problema, pois se o investimento não se “realiza”, ou seja, se o investimento não paga o juros esperado ao capital (a eficiência marginal do capital abordada por Keynes), temos quebra no elo da corrente e, portanto crise. Enquanto isso não ocorre, é como a brincadeira da dança das cadeiras, enquanto a música estiver tocando, corre-se em torno das mesmas.

Desta forma, os clássicos não abordaram de forma razoável sobre os juros, já que no tempo de Smith e posteriormente Marx, o investimento produtivo era a única forma de valorização rentável do capital. Keynes e Schumpeter deram muito mais atenção ao papel dos bancos (o capitalista “puro”) no sistema, tanto que Marx escreve, “só quem é realmente rico pode subsistir do juro sobre o dinheiro. Todos os outros tem de aplicar o capital no negócio ou no comércio”, ou seja, somente grandes fortunas gerariam escala para aplicação, dado o baixo rendimento, diverso dos dias atuais, quando pequenos poupadores sobrevivem com seus ganhos, cabendo aos bancos a intermediação entre estes poupadores e os tomadores.

Marx en passant fala que alguns capitalistas poderão emergir da classe operária e que também capitalistas médios mergulharão na classe trabalhadora. De certa forma, esta permuta, com o empreendedor ascendendo de classe e o empresário incompetente falindo, nos remete mais uma vez a Schumpeter com seu emblemático empreendedor e sua destruição criadora.

3) “Em um país que alcançou o último nível possível de riqueza”. Marx apud Smith apesar olhar para a Inglaterra de sua época, quando “a competitividade pelo emprego (...) diminui os salários do trabalho”, está escrevendo um fato de todas as épocas, referendando a lei de oferta e procura de um bem, no caso, este bem é à força de trabalho. Quando a este “último nível de riqueza”, onde estará? Marx já esboça a idéia de mais-valia, em “o trabalhador recebe apenas a parte mínima e absolutamente indispensável do produto; exatamente tanto quanto precisa para subsistir como trabalhador, não como homem...”. Parece que Kalecki também se apóia aqui ao fundamentar o seu “consumo do capitalista”, já que na visão marxista, o trabalhador somente consome para sua sobrevivência. Neste ponto, me parece que a burguesia e seu braço moderno chamado marketing foram mais espertos. Tome a utilização de celulares, Tv’s de plasma, adoçantes e todas as “modernidades” nos impostas como absolutamente essenciais a nossa sobrevivência.

Marx expõe duas feridas ao escrever que “é unicamente por meio do trabalho que o homem aumenta o valor dos produtos naturais”, ou seja, somente agregando valor as commodities se obtêm crescimento. Esta foi a receita inglesa, junto ao algodão indiano e temos também um exemplo local, pois enquanto o Brasil é o maior exportador de café verde, a Alemanha é a maior exportadora de café industrializado no mundo (ainda nos dias de hoje), etc. Friedrich List, economista alemão e contemporâneo de Marx, desenvolveu mais amiúde este conceito, em seu livro “Sistema Nacional de Economia Política” de 1841, base da CEPAL de Furtado e Prebisch, apesar de Marx criticar com certa ironia a obra deste em “Contribuição à crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, acusando List de ter uma teoria “astuta”, neste caso Marx fez um trocadilho com o nome de List, pois em alemão astuto é escrito “listingen”: “...na França e na Inglaterra. A ordem antiga e podre, contra a qual estas nações se revoltam teoricamente (...) é saudada na Alemanha como a aurora de um futuro glorioso (...) a custo ousa mover-se de uma teoria astuta para uma prática implacável.” Marx parece acreditar que o escrito e defendido por Smith, passa da teoria a prática, enquanto List cunhou com muita propriedade o termo “chutando a escada”: “É um expediente muito comum e inteligente de quem chegou ao topo da magnitude chutar a escada pela qual subiu a fim de impedir os outros a fazerem o mesmo. Não é outro o segredo da doutrina cosmopolita de Adam Smith.”
List acredita que os países ricos são adeptos da filosofia: Façam o que eu digo, mas não façam o que eu fiz, desta forma esconderiam a fórmula que os fizeram se desenvolver.
Assim, países em desenvolvimento seriam pressionados pelos países desenvolvidos a adotar o que chamam de "boas políticas e boas instituições", capazes de promover o desenvolvimento econômico e não é isto que vemos hoje, com Consenso de Washington, FMI e Banco Mundial? O que dizer da crise européia e a pressão para a Grécia (estamos em 2012) aceitar o pacote de medidas? Marx poderia ter dado um pouco mais de atenção a seu compatriota e não somente ao escocês.

Outra ferida: “o proprietário de terras e o capitalista (...) estão acima do trabalhador e lhe impõe leis”. Quem não senão estes dirigem os destinos de qualquer país? A família Sarney (e outras), por exemplo, não corresponde a esta afirmação, soberanos no Congresso?


Marx antes de ser a voz econômica, é a voz da liberdade. Liberdade não é um valor, mas algo a ser perseguido, já que Marx procura acender a lanterna e mostrar que os homens ainda vivem em determinada escravidão (“o crescente progresso da sociedade, torna o trabalhador cada vez mais dependente do capitalista”). Mas o que falta para estes se libertarem? Como soltar o grilhão? Este grilhão é puramente econômico? Seria dentro do próprio país e depois de um país para com o outro?
Mais perguntas: O que é liberdade? Liberdade será nossa escolha? Nossa opção? O mundo capitalista nos tira isso, a escolha, ao nos obrigar a horas e horas de trabalho, ou não? Podemos trabalhar menos tempo e manter nossa sobrevivência? Marx enfoca o capitalismo com uma espécie de fanatismo religioso e não como uma busca moral e econômica. Assim conheço alguns detratores do marxismo e defensores ferrenhos da igreja liberal, porém, todas as moedas têm dois lados e alguns marxistas possuem o mesmo tipo de fanatismo dogmático.
Rosa Luxemburgo sempre me salva, quando disse, referindo-se à ditadura estabelecida pelos bolcheviques (apesar do seu apoio a mesma), em 1917: “Liberdade apenas para os que apóiam o governo, apenas para os membros do partido, não importando quantos sejam, não é absolutamente liberdade. Liberdade é sempre a exclusivamente a liberdade de quem diverge do nosso modo de pensar”.

continua...

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